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domingo, 19 de agosto de 2018

O desabafo de uma médica oncologista diante da dor de uma menina de 18 anos

Hoje vivi uma das experiências mais difíceis da minha vida como médica… e são exatamente essas que mais nos ensinam.

Comecei o dia pensando sobre problemas meus que eu julgava importantes, tomei café da manhã em menos de 5 minutos pela falta de tempo, passei a manhã atendendo, reclamei do cansaço, olhei no espelho e achei que eu deveria ir a dermatologista colocar botox.

Olhei para as minhas unhas com o esmalte saindo e pensei como eu queria ter um tempinho hoje para ir à manicure.

Quando o ambulatório da manhã acabou, fui à enfermaria ver os pacientes internados e entrei no quarto de J., 18 anos, uma menina linda de cabelo liso, negro e longo.

J. tem diagnóstico de câncer de intestino há 1 ano e eu cuido dela desde então.

Uma doença agressiva, que cresceu apesar de todos os tratamento que fizemos.

Ela está internada há mais de um mês com uma dor incontrolável.

Fizemos todas as coisas possíveis para tentar aliviar essa dor, tudo mesmo…

Há uma semana, por causa do crescimento do tumor, o seu intestino parou de funcionar e ela não pode mais comer nem beber água.

Há um dia começou a apresentar sinais de alteração da função hepática e renal.

Mas continua consciente, entendendo tudo e não aguentando mais nada…

Ela pediu para conversar comigo, sentou na cama do hospital e eu sentei ao seu lado: “Doutora, eu não aguenta mais sentir sede e não poder beber água, eu não aguento sentir fome e não comer, eu não aguento mais sentir dor, eu não aguento mais não evacuar, eu não aguenta mais não dormir, eu não aguenta mais nada disso. Eu sei que vou morrer rápido e quero esperar dormindo, sem sentir nada disso, eu quero que você inicie sedação para mim.”

Perguntei se ela tinha certeza, ela disse que sim e que já tinha se despedido de todos que queria se despedir.

Ela me abraçou e ainda me disse “obrigada por tudo”, eu só consegui dizer “fique com Deus”.

Foi impossível segurar a lágrima diante daquele olhar e daquele pedido… chorei eu, chorou a residente, chorou minha amiga paliativista que chamei para me ajudar após esse pedido, porque eu precisava de alguém junto comigo.

Já fiz sedação paliativa em vários pacientes em fase terminal e nas aulas e nos livros nós aprendemos sobre sedação paliativa para sintomas intratáveis, mas nunca tinha vivenciado algo parecido, nunca tinha recebido um pedido desses tão consciente.

Quantas vezes a gente reclama da comida que tem na mesa ou come tão rápido que não sente o sabor dela? E a minha ruguinha? De repente passou a ter um significado muito maior…

Eu tenho quase o dobro da idade dessa menina que em poucos dias irá nos deixar e essa ruguinha me lembra isso.

E como devo ser grata por cada ano que passa e eu tenho saúde. Os meus problemas ficaram tão minúsculos diante disso, que deixaram de ser problemas.

De fato, eu não tenho problemas, só tenho motivos para agradecer a Deus.

E é por isso que quis compartilhar isso com vocês… para que a correria dos dias não tire o sabor da comida, para que não deixem de viver o hoje porque estão pensando no amanhã ou estão com medo dele, para que não falte vida nas suas vidas, para que o presente seja vivido com intensidade (e responsabilidade), pois o amanhã, meus amigos, não temos absolutamente nenhum controle sobre ele.

E problema mesmo, de verdade, a maioria de nós não tem.

Hoje J. vai dormir sem dor e eu vou dormir com a certeza de que não tenho problemas. Fonte

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