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domingo, 1 de fevereiro de 2015

O menino que comia pastel

Zenóbio Oliveira

A padaria burburinhava. Gente feito o diabo. Cada um reclamava prioridade no atendimento e o balconista tentava a todo custo ordenar os pedidos da clientela afobada. Do lado de fora, um garoto andrajoso, comia um pastel, sentado no batente abrasado da porta, totalmente apartado daquela situação aborrecida. A absorção do olhar espichado no acepipe denunciava a esfomeação de um jejum prolongado. Fome é bicho desgraçado, arte do cão. Deixa o sujeito ensimesmado diante do alimento que devora. O menino tentava, simplesmente, matar quem lhe matava. Certo que aquele bocado não representava uma refeição adequada para o sustento de um dia inteiro, mas era sua tábua de salvação no momento, o que já justificava o ato de voracidade.


Diante da cena, pus-me a imaginar os desperdícios das comilanças nos salões abastados. Todo o sobejo derramado sobre as mesas da vaidade, toda a sobra do prato dos que têm o olho maior do que a barriga jogada no lixo da incoerência. Coisas que já vi com estes olhos que a terra nunca há de comer. O filme da lembrança se misturava àquela realidade presencial, numa exposição patética da desigualdade humana. Repugnei de pronto todo àquele discurso hipócrita que alardeia a cidadania. Perante situações desse tipo, nota-se que essa história de que a criança é o futuro não passa de jargão elitista de um país sem futuro.
Toda essa conversa de garantias estatutárias dos direitos infantis serve tão somente para preencher os espaços das estantes palacianas. As crianças famintas, drogadas, prostituídas e esquecidas na brutalidade das ruas são a verdade cruel de um hoje que talvez não alcance o amanhã.
O menino acabou o petisco e a expressão do rosto pedinchão denotava seu estado de insaciabilidade. Ofereci-lhe então mais alguns pastéis. Ele os enfiou pelos bolsos, manchando de óleo a bermuda mais surrada que sua infância. Perguntei se não iria comê-los. Disse que mais tarde, quando se juntasse às suas duas irmãs. Caminhou pela calçada, parou mais adiante, virou-se, agradeceu e seguiu rua acima até sumir na curteza da minha visão.

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